domingo, 12 de janeiro de 2014
Gordura no fígado
Querida amiga, toda a imprecisão que a criatividade nos cobra sempre foi uma afronta às mentes racionais. Talvez daí venha todo esse movimento neobarroco que vemos aqui e ali, nos meios de comunicação, nas artes, nos livros. Pois é justamente o caminho tortuoso do sentimento, do impulso, que nos conduz vorazmente por nossas paixões. Mas, covardemente, quando a coisa degringola, quando o tudo se esvai em nada, recorremos à razão, calculamos e rogamos ao deus-ciência pelos esquemas, pela lógica, que nos salve das situações inconclusivas. Escrevo essas linhas pensando em você, lembrando das projeções narcisistas que estão por trás de toda paixão, um reconhecimento inconsciente de si no outro. E o outro, feliz de receber todo esse elogio monumental, toda essa intensidade afetiva, faz sua parte no jogo, fechando o ciclo do desastre amoroso. Ou não. Ontem, reconheci em você a maldade das crianças, aquele sadismo inocente, "natural". Estava ali, disfarçado de descaso, de distância. Mas consegui ver. E foi bom, porque me ajudou a definir a situação. Fenomenologicamente. Vi o nó de nossa intersubjetividade. A confusão. O engano se repetindo. E lembrei do refrão de uma canção de Manduka: "Tire suas unhas de mim! Antes de nada, estão me machucando!". Terei aprendido a lição? Não sei. A imprecisão impera o coração criativo, e, como dizia Vinícius, não é possível amar sem sofrer. Mas me viro. Descubro o mundo, esse outro canto do universo, onde a magia se dá sem provas de fogo, sem ritos de sangue. O encantamento simples do querer bem.
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