Querida amiga, não sei por onde anda o seu sorriso blasé. Não a vejo mais. E, como todo narcisista que se preza, concluo que o sumiço se deve a mim. Esse "eu" tão pleno de funduras e que ultimamente anda assustador. Queria simplesmente ver você. Espiralar assuntos estratosféricos em longa conversa cervejada. Mas você some e eu não tenho energia pra lhe buscar, ligar, enviar mensagens, emails etc. Você é imune à tecnologia dos nossos dias assim como a meus apelos. Como não sei a razão de sua ausência no planeta, atribuo a mim mesmo. Afinal, ainda acredito que tudo neste sistema solar orbita ao meu redor. Desrespeito, assim, suas coisas, os seus processos. Ignoro a angústia que a atravessa neste instante e que não sou capaz de perceber, ouvir, opinar. Eu que sempre estive bem próximo. Atento, ligado. Mas nesses tempos que correm, como dizem os portugueses, sou eu quem anda pelo vale da sombra da morte. Mal enterrei meus mortos, ainda tenho pesadelos e sou devorado por um vazio atroz. Soletro solidão o tempo todo e a respiração do dia anda pesada. Portanto, sou de nenhuma serventia para suas coisas agora. Sou eu quem clama por ajuda. Mas entendo o silêncio. Sei que nesse momento estou um poço sem fundo. O afogado que periga afundar o salva-vidas.
Fui treinado pra compreender a reciprocidade, mas devo ter faltado à aula. De qualquer modo, tenho a impressão que a dádiva nunca tem uma contrapartida equivalente. É sempre desigual. Você pode receber duas maçãs de presente e retribuir, depois, dando duas maçãs. Ainda assim a troca não terá sido equivalente. Pois nessa contabilidade entram fatores que estão além dos objetos. Há o valor que se dá ao gesto, por exemplo. O ritual da entrega e o quanto de obrigação, afeto real, polidez estão no ato também influenciam a conta. E é essa desigualdade de afeto trocado que torna as relações tão singulares. Temos nossa dose de desequilíbrios afetivos em nossas trocas. E ponto. Nos vemos quando for possível, depois que eu dobrar essa esquina.
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